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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

No reino das mil e uma palavras sem fim


     Luma é uma palavra luminosa e feliz que vive no Reino das Mil e Uma Palavras sem Fim. Ela é também uma palavra poética, de constituição lítero-musical, e tem ainda a leveza e a mobilidade das fadas que habitam em reino próximo. Quando Luma nasceu, seu pai, ou Patro, como era chamado, percebeu que a filha era especial, dada à sua auréola resplandecente.
Luma cresceu nesse reino construído de palavras, versos, poemas e canções. Era poeta e compositora e servia a todos com graça, levando, com voz maviosa, a alegria de suas canções a vocábulos solitários e perdidos de si mesmos. Trabalhava também como mestra de palavrinhas musicais desafinadas, aprimorando-as para o futuro.
De vez em quando, de madrugada, Luma saía a colher estrelas que, com cuidado, acomodava na dobra da túnica.  Só voltava para casa quando a manhã raiava e, então, guardava a colheita da noite num jarrão de puro cristal para ver as estrelas tremeluzirem.  Por que agia assim?
Ah! Em visita aos amigos, na hora de se despedir, num abraço demorado, a suave Luma, discreta e amorosa, colava no peito do amigo uma estrela luminosa que curava quem estava doente, animava quem estava sozinho, iluminava quem estava no escuro, demonstrando assim o seu carinho. Aos amigos mais distantes ela enviava uma estrela-pensamento. Por isso as saídas noturnas para pescar estrelas...
Ainda frequentava o templo de Verbum, o sábio sacerdote que lhe desvelara o dom especial de comunicar-se com seres de outros reinos e dimensões.  Havia, porém, uma regra a que Luma não podia desobedecer. No dia em que ela recebeu o grau máximo de Mestra da Música e da Poesia simultaneamente, Verbum  ordenara-lhe solene:
- Leia em voz alta o juramento do pergaminho sagrado:
“Jamais ultrapassarei a fronteira da Poesia e do Encantamento.”
E assim foi feito.
Desde aquele dia, entretanto, Luma caiu em desassossego, pois, além de independente e destemida, era bastante curiosa. O que será que existe além daquela ponte? Sua mente dançava ao ritmo das perguntas que se avultavam. O vento travesso sussurrava ao ouvido das flores, espalhando aquele segredo de polichinelo, pois todo mundo já sabia; a última a descobrir foi ela...
Para lá da ponte começava o reino dos homens! E agora Luma queria saber como era sentir-se humana. Devia haver alguém como ela naquele misterioso reino de sombras e névoas. E a Luma-palavra cismou de encontrar a Luma-menina, seu referente naquele mundo meio primitivo!
Do outro lado do rio da vida, a Luma-menina respondia pelo nome de Maria da Luz, ou, mais propriamente, Luz, como gostava de ser chamada. Luz era o referente de Luma; também era ela doce poeta, cantora e compositora, mas com alguns atributos diferentes como sentimentos de tristeza e solidão de vez em quando.
Luma conhecia apenas a alegria; nunca havia chorado antes de atravessar aquele segredo sinalizado pela ponte proibida.
Quando Luma abriu os olhos, estava dentro de uma imponente biblioteca de uma metrópole daquele mundo desconhecido. Luz acabara de abrir um livro de poesia e lá estava Luma, levantando-se e estendendo a mão a Luz:
     - Olá! Sou Luma, muito prazer em conhecê-la.
Surpresa, mas acostumada a lidar com palavras, Luz ficou encantada com aquela aparição inusitada:
     - Oi, sou Luz ... Você mora aí nesse livro?
    - Não, menina! Só usei o livro como meio de transporte para poder me aproximar de você.
   - Nossa! Que legal! Você me conhece, então?!
   - Como não? Sei tudo sobre você! Quero ser sua amiga...
   - Claro, claro... mas posso saber como você me conhece? De onde você veio? Quem é você?

    - Calma, Luz! Uma pergunta de cada vez!
E, assim, pacientemente, Luma foi esclarecendo a curiosidade de Luz. Contou-lhe sobre sua vida no Reino das Mil e Uma Palavras sem Fim, sobre o juramento feito a Verbum e a sua posterior desobediência a ele.
Luz, por sua vez, narrou-lhe sua vida algo monótona e triste até então. Falou-lhe de suas preferências literárias e musicais, de sonhos e aspirações. E descobriram-se tão parecidas: Luma e Luz, quase idênticas. Na verdade eram lados da mesma moeda poética.
E, assim, todos os dias Luz e Luma encontravam-se na grande biblioteca, falavam sobre tudo, trocavam poemas e aprendiam a conhecer-se mutuamente. Luz resplandeceu com a alegria de Luma; esta cresceu em sabedoria, ao experimentar a tristeza de Luz, uma nostalgia que às vezes chegava de mansinho com o entardecer.
E o tempo foi passando. Luma praticamente passou a morar na biblioteca e começou a descobrir o lado sombrio daquele mundo. À noite, podia ver centenas de palavras mal-encaradas saindo para a vida noturna daquela cidade fascinante e perigosa. Sentiu-se sozinha e triste. Luz não podia fazer-lhe companhia o tempo todo, pois era humana, tinha que estudar, cantar no coral, fazer as tarefas de casa; e tudo isso era severamente vigiado pela mãe.
Houve uma noite em que Luma chorou de saudade de seu reino, e esse forte sentimento de tristeza, pela primeira vez experimentado, envolveu-a em uma nuvem pesada e sufocante. Em sincronia com ela, Luz começou a perder o entusiasmo pela poesia e parou de sonhar... E ambas estavam ficando cada vez mais sem brilho e sem cor: adoeciam de nostalgia, reféns de uma solidão galopante.
Por outro lado, no Reino das Mil e Uma Palavras sem Fim, Patro e Verbum, preocupados com o desaparecimento de Luma, foram buscar socorro em outro reino bem próximo onde todas as palavras eram felizes.
Era um reino de céu esmeraldino: onde as estrelas verdes cantavam um hino à fraternidade universal. Foram recebidos carinhosamente pelo Esperanto, o mentor espiritual daquele reino de paz. Tanto Patro quanto Verbum há muito sabiam conversar na língua usada naquele reino, por isso foi fácil o contato com aquelas palavras fraternas.
      Depois de algumas horas reunidos com o Mestre Esperanto, Patro e Verbum voltaram para casa cheios de esperança. O Esperanto prometera resgatar Luma e Luz, mostrando-lhe toda a beleza e finalidade da língua internacional criada por Zamenhof.
E assim foi feito. No dia seguinte, Luz já tinha nas mãos o Fundamento do Esperanto e mostrava feliz o seu tesouro para amiga Luma. Esta então se lembrou de já ter ouvido falar do belo reino de Esperantio, onde todas as palavras são felizes por poderem comunicar-se facilmente com todos os outros reinos próximos ou distantes...
E a alegria voltou ao coração das duas. Elas tinham agora muita coisa bonita para aprender e compartilhar com o uso do Esperanto.
Então, em outro reino não muito distante, onde flores, passarinhos e bruxas convivem na mais santa harmonia, a Florzinha escritora dá um longo suspiro e fecha o livro onde habita a história que ela acabara de escrever.
Ah, que vontade ela tem de conhecer de perto aquelas duas almas irmãs... Ah, que vontade de aprender essa língua verde da fraternidade!
 E como, juntas, as três iriam brincar de criar por aí...


Leia este conto em Esperanto em Beletra Almanako:

http://www.beletraalmanako.com/boao/ba12/index.html
                                              
  Maria Nazaré de Carvalho Laroca

5 comentários:

Flávia Laroca disse...

Muito lindo!!! Parabéns!!! :)

Blogdopaulo disse...

Vera literatura perlo, speco de poezia prozo.
Mi tre shatus legi ghin en Esperanto, sed mi ne estas abonanto de Beletra Almanako.

Lázara papandrea disse...

que lindo!

Nazaré Laroca disse...

Obrigada por sua carinhosa visita, poeta!

Helô disse...

Maravilhoso!