Luma é uma palavra luminosa e feliz
que vive no Reino das Mil e Uma Palavras
sem Fim. Ela é também uma palavra poética, de constituição lítero-musical,
e tem ainda a leveza e a mobilidade das fadas que habitam em reino próximo.
Quando Luma nasceu, seu pai, ou Patro, como era chamado, percebeu que a filha
era especial, dada à sua auréola resplandecente.
Luma
cresceu nesse reino construído de palavras, versos, poemas e canções. Era poeta
e compositora e servia a todos com graça, levando, com voz maviosa, a alegria de
suas canções a vocábulos solitários e perdidos de si mesmos. Trabalhava também como
mestra de palavrinhas musicais desafinadas, aprimorando-as para o futuro.
De
vez em quando, de madrugada, Luma saía a colher estrelas que, com cuidado,
acomodava na dobra da túnica. Só voltava
para casa quando a manhã raiava e, então, guardava a colheita da noite num
jarrão de puro cristal para ver as estrelas tremeluzirem. Por que agia assim?
Ah!
Em visita aos amigos, na hora de se despedir, num abraço demorado, a suave
Luma, discreta e amorosa, colava no peito do amigo uma estrela luminosa que
curava quem estava doente, animava quem estava sozinho, iluminava quem estava
no escuro, demonstrando assim o seu carinho. Aos amigos mais distantes ela enviava
uma estrela-pensamento. Por isso as saídas noturnas para pescar estrelas...
Ainda
frequentava o templo de Verbum, o sábio sacerdote que lhe desvelara o dom
especial de comunicar-se com seres de outros reinos e dimensões. Havia, porém, uma regra a que Luma não podia
desobedecer. No dia em que ela recebeu o grau máximo de Mestra da Música e da Poesia simultaneamente, Verbum ordenara-lhe solene:
-
Leia em voz alta o juramento do pergaminho sagrado:
“Jamais
ultrapassarei a fronteira da Poesia e do Encantamento.”
E
assim foi feito.
Desde
aquele dia, entretanto, Luma caiu em desassossego, pois, além de independente e
destemida, era bastante curiosa. O que será que existe além daquela ponte? Sua
mente dançava ao ritmo das perguntas que se avultavam. O vento travesso
sussurrava ao ouvido das flores, espalhando aquele segredo de polichinelo, pois
todo mundo já sabia; a última a descobrir foi ela...
Para
lá da ponte começava o reino dos homens! E agora Luma queria saber como era sentir-se
humana. Devia haver alguém como ela naquele misterioso reino de sombras e névoas.
E a Luma-palavra cismou de encontrar a Luma-menina, seu referente naquele mundo
meio primitivo!
Do
outro lado do rio da vida, a Luma-menina respondia pelo nome de Maria da Luz,
ou, mais propriamente, Luz, como gostava de ser chamada. Luz era o referente de
Luma; também era ela doce poeta, cantora e compositora, mas com alguns atributos
diferentes como sentimentos de tristeza e solidão de vez em quando.
Luma
conhecia apenas a alegria; nunca havia chorado antes de atravessar aquele
segredo sinalizado pela ponte proibida.
Quando
Luma abriu os olhos, estava dentro de uma imponente biblioteca de uma metrópole
daquele mundo desconhecido. Luz acabara de abrir um livro de poesia e lá estava
Luma, levantando-se e estendendo a mão a Luz:
- Olá! Sou Luma, muito
prazer em conhecê-la.
Surpresa,
mas acostumada a lidar com palavras, Luz ficou encantada com aquela aparição
inusitada:
- Oi, sou Luz ... Você mora
aí nesse livro?
- Não, menina! Só usei o
livro como meio de transporte para poder me aproximar de você.
- Nossa! Que legal! Você me
conhece, então?!
- Como não? Sei tudo sobre
você! Quero ser sua amiga...
- Claro, claro... mas posso
saber como você me conhece? De onde você veio? Quem é você?
- Calma, Luz! Uma pergunta
de cada vez!
E,
assim, pacientemente, Luma foi esclarecendo a curiosidade de Luz. Contou-lhe
sobre sua vida no Reino das Mil e Uma
Palavras sem Fim, sobre o juramento feito a Verbum e a sua posterior
desobediência a ele.
Luz,
por sua vez, narrou-lhe sua vida algo monótona e triste até então. Falou-lhe de
suas preferências literárias e musicais, de sonhos e aspirações. E descobriram-se
tão parecidas: Luma e Luz, quase idênticas. Na verdade eram lados da mesma
moeda poética.
E,
assim, todos os dias Luz e Luma encontravam-se na grande biblioteca, falavam
sobre tudo, trocavam poemas e aprendiam a conhecer-se mutuamente. Luz resplandeceu
com a alegria de Luma; esta cresceu em sabedoria, ao experimentar a tristeza de
Luz, uma nostalgia que às vezes chegava de mansinho com o entardecer.
E o
tempo foi passando. Luma praticamente passou a morar na biblioteca e começou a
descobrir o lado sombrio daquele mundo. À noite, podia ver centenas de palavras
mal-encaradas saindo para a vida noturna daquela cidade fascinante e perigosa.
Sentiu-se sozinha e triste. Luz não podia fazer-lhe companhia o tempo todo,
pois era humana, tinha que estudar, cantar no coral, fazer as tarefas de casa; e
tudo isso era severamente vigiado pela mãe.
Houve
uma noite em que Luma chorou de saudade de seu reino, e esse forte sentimento
de tristeza, pela primeira vez experimentado, envolveu-a em uma nuvem pesada e sufocante.
Em sincronia com ela, Luz começou a perder o entusiasmo pela poesia e parou de
sonhar... E ambas estavam ficando cada vez mais sem brilho e sem cor: adoeciam
de nostalgia, reféns de uma solidão galopante.
Por
outro lado, no Reino das Mil e Uma Palavras
sem Fim, Patro e Verbum, preocupados com o desaparecimento de Luma, foram
buscar socorro em outro reino bem próximo onde todas as palavras eram felizes.
Era
um reino de céu esmeraldino: onde as estrelas verdes cantavam um hino à
fraternidade universal. Foram recebidos carinhosamente pelo Esperanto, o mentor
espiritual daquele reino de paz. Tanto Patro quanto Verbum há muito sabiam
conversar na língua usada naquele reino, por isso foi fácil o contato com
aquelas palavras fraternas.
Depois de algumas horas
reunidos com o Mestre Esperanto, Patro e Verbum voltaram para casa cheios de
esperança. O Esperanto prometera resgatar Luma e Luz, mostrando-lhe toda a
beleza e finalidade da língua internacional criada por Zamenhof.
E
assim foi feito. No dia seguinte, Luz já tinha nas mãos o Fundamento do Esperanto e mostrava feliz o seu tesouro para amiga
Luma. Esta então se lembrou de já ter ouvido falar do belo reino de Esperantio, onde todas as palavras são
felizes por poderem comunicar-se facilmente com todos os outros reinos próximos
ou distantes...
E a
alegria voltou ao coração das duas. Elas tinham agora muita coisa bonita para
aprender e compartilhar com o uso do Esperanto.
Então,
em outro reino não muito distante, onde flores, passarinhos e bruxas convivem
na mais santa harmonia, a Florzinha escritora dá um longo suspiro e fecha o
livro onde habita a história que ela acabara de escrever.
Ah,
que vontade ela tem de conhecer de perto aquelas duas almas irmãs... Ah, que
vontade de aprender essa língua verde da fraternidade!
Maria Nazaré de Carvalho Laroca