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terça-feira, 20 de maio de 2014

Intervalo _ Intertempe




Intervalo

Entreaberta a cortina do sonho:

a alma do poeta reescreve

o cálido langor do outono.

 

Demiurgo, o bardo

desconstrói a angústia

das brumas da loucura.

 

E então recria o voo

da poesia do mundo

e fecunda a epifania

que ilumina

 a folha

                 em

                          branco
 
da sua fragilidade.




Intertempe


Duonmalfermiĝas 

la kurten’ de l’ sonĝo:

l’ anim’ de l’ poet’ reskribas

de l’ aŭtun’ l’ ardan langvoron.


Demiurgo, l’ aedo

malkonstruas l’ angoron,

kiu kuŝas en l’ ombroj

de l’ frenezo.

 

Kaj tiam li rekreas

la flugon de l’ mondpoezio

kaj fekundigas l’ epifanion,

kiu lumigas la folion blankan
 
de lia fragileco.
 
 
 
Maria Nazaré Laroca
Juiz de Fora, 20/05/2014.
 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Crise _ Krizo




Crise

Emudeceu o aedo,
desencantou-se a lira.
Por que ainda escrevo
se tudo já foi dito?

Quisera ter a verve
sublime de Petrarca
para o Amor louvar.

Meu coração, porém,
mais pensa do que sente,
nesse deserto ingente.

Não se perfura a gota
d’água que tremula
na folha nua ao sol.

Mas na leira da palavra,
a poesia escava
a aurora que acende
minha derradeira rosa.



Krizo

Poeto silentiĝis
per liro elreviĝinta.
Kial mi ankoraŭ verkas
se ĉio jam diritas?

Mi dezirus la vervon
subliman de  Petrarko,
por ke al Amo laŭdu.  

Mia koro, tamen,
pensas pli ol sentas,
en ĉi dezerto ega.

Neeblas bori  guton
de l’ akvo, kiu flirtas
sur nuda  foli’ je sun'.

Sed tra sulkoj de l’ vort’,
la poezi’ disfosas
l’aŭroron, kiu lumigas
la vere lastan rozon.

Maria Nazaré Laroca
Juiz de Fora, 01/05/2014.


terça-feira, 29 de abril de 2014

Brincando com Lobato. O lápis sem ponta



O lápis sem ponta

Estamos no País da Gramática, no palácio do verbo Ser. Diante de Sua Serência, quase não consigo escrever nada. Eu sou o lápis sem ponta, atrás da orelha da Emília. Estou trêmulo. Esforço-me, e a ponta só arranha o papel. 
A boneca é tão senhora de si, que nem presta atenção ao meu sofrimento. E eu só sou um lápis por causa do verbo Ser. Se não fosse ele, não existiria.
Ai, Emília, não precisa morder assim, para fazer a ponta, não adianta.
Não sei como Lobato conseguiu escrever esse capítulo.

Maria Nazaré Laroca
Juiz de Fora, 29/04/2014.

Emília na casa do Verbo Ser     
                     
Emília foi levada à presença dele e entrou muito tesa, com um bloquinho de papel debaixo do braço e um lápis sem ponta atrás da orelha. O venerando ancião estava sentado num trono, tendo em redor de si os seus sessenta e oito filhos — ou Pessoas dos seus Modos e Tempos. Parecia um velho de mil anos, com aquela cabeleira branca de Papai Noel.
— Salve, Serência! — exclamou Emília, curvando-se diante dele, com os braços espichados, à moda do Oriente. — O que me traz à vossa augusta presença é o desejo de bem servir aos milhares de leitores do Grito do Pica-Pau Amarelo, o jornal de maior tiragem do sítio de Dona Benta. Os coitados estão ansiosos por conhecer as ideias de Vossa Serência sobre mil coisas.
— Suba, menina! — respondeu o Verbo Ser com voz trêmula.
Emília subiu os degraus do trono, abrindo caminho a cotoveladas por entre a soldadesca atônita, e foi postar-se bem defronte do venerável ancião.
— Fale, Serência, enquanto eu tomo notas — disse ela, e começou a fazer ponta no lápis com os dentes.
O Verbo Ser tossiu o pigarro dos séculos e começou:
— Eu sou o Verbo dos Verbos, porque sou o que faz tudo quanto existe ser. Se você existe, bonequinha, é por minha causa. Se eu não existisse, como poderia você existir ou ser?
— Está claro — disse Emília escrevendo uns garranchos. — Vá falando.
Ser tossiu outro pigarro e continuou:
— Muitos gramáticos me chamam VERBO SUBSTANTIVO, como quem diz que eu sou a substância de todos os demais Verbos. E isso é verdade. Sou a Substância! Sou o Pai dos Verbos! Sou o Pai de Tudo!
Sou o Pai do Mundo! Como poderia o mundo existir, ou ser, se não fosse eu? Responda!
— Não tem resposta, Serência. É isso mesmo — disse Emília,
escrevendo. — Os leitores do Grito vão ficar tontos com a minha reportagem. O diabo é este lápis sem ponta. Não haverá por aí algum  canivete ou faca que não seja de mesa, Serência?
Não havia canivete, nem faca, nem nenhum instrumento
cortante naquela cidade de palavras, de modo que Emília só podia contar com os seus dentes. Mas tanto roeu o lápis, sem conseguir boa ponta, que ele foi diminuindo, diminuindo, até virar um toquinho inútil.
Acabou-se o lápis — e foi essa a verdadeira causa de o Grito do Pica-Pau Amarelo (jornal que aliás nunca existiu) não haver publicado a mais sensacional reportagem que ainda foi feita no mundo. O Verbo Ser falou muita coisa de si, contando toda a sua vida desde o começo dos começos. Disse que já havia morado na cidade das palavras latinas, hoje morta.
— Naquele tempo eu me chamava Esse. Depois que a cidade latina começou a decair, mudei-me para as cidades novas que se foram formando por perto, e em cada uma assumi forma especial. Aqui nesta tomei esta forma que você está vendo e que se escreve apenas com três letras. Na cidade de Galópolis virei Ètre. Em Italópolis virei Essere. Em Castelópolis sou como aqui mesmo.
— Então foi em Roma que Vossa Serência nasceu?
— Não, menina. Sou muito mais velho que Roma. Antes de mudar-me para lá eu já existia na cidade das palavras sânscritas; e antes de ir para a cidade das palavras sânscritas, eu já vinha não sei de onde. Perdi a memória do lugar e do tempo em que nasci, embora esteja convencido de que nasci junto com o mundo.
(Emília no país da Gramática - Monteiro Lobato)

domingo, 27 de abril de 2014

Felicidade _ Feliĉo




Felicidade

O poeta bebe a intensa
alegria da criança
que em sua alma balança,
e o abismo desinventa. 


Feliĉo

Poeto trinkas l’ intensan
ĝojon de l’ infano tiu,
kiu dancas en l’anim’,
kaj l’ abismon malinventas.

Maria Nazaré Laroca
Juiz de Fora, 27/04/2014. 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Azul _ Bluo




Azula em pássaro
meu desejo de mistério:
milagre do belo.

Bluegas birdece
mia dezir’ je mister’ :
miraklo el bel’.


Maria Nazaré Laroca
Juiz de Fora, 23/04/2014.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Pausa _ Paŭzo





Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: Às vezes apenas um segundo.

(Alice no País das Maravilhas. Lewis Carroll)

Alico: Kiom longe daŭras eterno?
Kuniklo: Kelkfoje nur unu sekundon.

(Alico en Mirlando. Lewis Carroll.)



Pausa

Num segundo a eternidade

cabe inteira em um suspiro

e o tempo desafia.


E a existência desnuda

entra no rio de Heráclito,

brinca de roda na lua

da eterna impermanência.


Paŭzo

Unusekunde l’ eterno

Unuspire enhaviĝas

kaj ĝi la tempon defias.


Kaj la nuda ekzistad’

eniras en la riveron

de l’ filozof’ Heraklito,

kaj rondodancas sur lun’

el eterna efemero.


Maria Nazaré Laroca

Juiz de Fora, 17/04/2014.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Um cão nos funerais _ Hundo ĉe funebraĵoj

                                       
                                               André Luís e José Jorge, meu pai.



Um cão nos funerais



Despedidas doem, mesmo tendo-se a certeza do reencontro. O poeta Fernando Pessoa já disse que a morte é a curva da estrada, / morrer é só não ser visto. Pois é, pai, o senhor vestiu a capa da invisibilidade e partiu.

E ontem foi tudo tão triste e tão bonito! Um esboço de sorriso na sua face sinalizava a paz encontrada na passagem para a luz. O senhor parecia meditar com discreta serenidade depois do sofrimento imposto pelos aparelhos do CTI.

O senhor deve ter estranhado ver tantos jovens prestar-lhe a última homenagem, levando-lhe rosas graças a seu neto André Luís, educador amado. Até mesmo a UFJF enviou-lhe uma coroa de flores...

E a mais emocionante condolência foi o entusiasmo daquele cãozinho preto-e-branco que dormia no pátio. De repente, acordou na hora da partida do féretro. E disparou sua alegria, acompanhando aos saltos a subida daquela triste aleia. Foi então que minha irmã lembrou que o senhor, quando menino, tinha um cachorrinho chamado Sabiá. Menino tem cada uma, não é? Talvez fosse o elo que faltava: as asas da alegria da infância apontando outra maior, a volta para a casa.



Hundo ĉe la funebraĵoj


Adiaŭoj doloras, eĉ kiam ni certas pri la nova renkonto. La poeto Fernando Pessoa jam diris, ke la morto estas la kurbo de l’ vojo , / morto estas nur nevidebleco. Nu, paĉjo, vi surmetis la nevidebleco-mantelon kaj foriris.

Kaj hieraŭ estis ĉio tiel trista kaj tiel bela! Via vizaĝo ŝajnis rideti pro la paco ekhavita dum la trairado tra la lumo. Ŝajnis, ke vi meditadis kun diskreta sereneco post la suferado postulita de la hospitalaj aparatoj.

Vi eble estis surprizita vidi tiom da gejunuloj ofertantaj al vi rozojn kiel lasta omaĝo danke al via nepo André Luís, amata edukisto. Eĉ la Universitato sendis al vi florkronon.

Kaj la plej emocia kondolenco venis el entuziasmo de tiu nigrablanka hundo, kiu dormadis sur la korto. Subite la hundeto vekiĝis ĝuste tiam, kiam la ĉerko ekforiradis. Kaj ĝi ekpafadis sian ĝojon; saltetante ĝi akompanis la supreniron de la irantaro laŭ tiu malgaja aleo. Do mia fratino memorigis al mi, ke dum via infanaĝo vi posedis hundeton nomatan Turdo. Kia knabeca nomo por hundo, ĉu ne ? Eble tio estis la manka ligilo, nome: la flugiloj de l’ infaneca ĝojo indikantaj alian plej grandan: la hejmrevenon.


Maria Nazaré Laroca

Juiz de Fora, 15/04/2014
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